Delegada de Polícia, Gineterapeuta, Moon Mother, Oraculista, Erveira, Benzedeira.

sábado, 14 de dezembro de 2024

Jambos do Pará

 

Na estrada de volta do paraíso, Massarandupió, onde ainda hei de fazer meu lar, eu me deparei, no pedágio, com um rapaz vendendo umas frutas vermelhas, que só quando as vi de perto, percebi que se tratavam de jambo do Pará, uma fruta exótica, de sabor muito leve quase insosso, que contrasta muito bem com sua cor viva, de um vermelho tão intenso, que traz  uma longínqua  memória afetiva sobre um específico pé de jambo na casa de minha avó.

A visão daquelas frutas me fez voltar no tempo, um tempo tão longe que a gente não sabe ao certo se existiu, mas também não duvida do que sentiu. 

Uma casa grande com janelas enormes,  de onde se  poderia ver uma árvore imensa que sombreava todo o quintalão de meu Deus, que abrigava, numa tarde de domingo ensolarado, mais de uma dúzia de cadeiras  de fios trançados, ocupadas por muitas mulheres e poucos homens. Crianças trepavam em outras árvores, fazendo tanto barulho que escorraçavam os assustados pássaros, que só voltariam no final do dia para se empoleirar, passar a noite e logo depois fazer o alvorecer com seus cantos. 

Nessa sombra podia ver a vida acontecendo e mantendo viva todas as outras que já passaram por aqui até a chegada dessa geração que insistia em tornar imortal seus antepassados que deram vida a essa roda de gente que contava  histórias sobre tantas outras gentes e desejando que as crianças que a tudo escutavam,  pudessem continuar contando para a próxima geração a história dessa gente  sentada na cadeira de fios trançados debaixo do pé de jambo do Pará.

Com a morte da minha avó materna, D. Tomazia, mulher de pouco estudo e de muita sabedoria, que trazia poesia no seu modo de ser e de ver a vida, cada um foi para o seu canto levando consigo o pouco ou o muito que carregava dela e cada um daqueles ocupantes das cadeiras de fios trançados debaixo do pé de jambo seguiu seu caminho contando, ao seu modo, como foi viver com essa grande matriarca. 

Na parte que me toca, fica aquela mulher forte, que tive a honra de lhe tornar avó, nascendo a neta primogênita  no dia do dia do seu aniversário. Dela herdei a opinião forte, a  firmeza nas palavras, a verdade no olhar e a coragem de seguir  sem esperar que alguém validasse suas  escolhas, tomei parte da sua bondade, uma mulher que gostava de  agradar aqueles por quem nutria amor e que não conseguia ver injustiças ou desigualdades mesmo entre desconhecidos, por que ela sabia que no outro estava a existência da divindade. Por uma falta de sorte ou de dedicação da minha parte, não veio comigo a sua habilidade da cozinha e a magia do seu tempero que também deixou  memória olfativa recheada de muitas histórias. 

Ali parada na fila  do pedágio, até poderia chamar o moço e comprar um pacote de jambos do Pará, mas preferi só deixar que minha memória parasse no dia seguinte do evento debaixo do pé de jambo,  no meio  da semana, quando os ocupantes daquelas cadeiras de fios trançados já  haviam voltado para seus afazeres e só restava  o chão forrado de uma quase pluma cor de rosa das flores que caiam na sombra deixada por aquela frondosa árvore, que insistia em guardar memórias tão profundas e afetivas de uma vida inteira de um povo que fez valer sua existência e que, se depender de mim e dos meus, não morrerá jamais. 


Foto: Google

Texto escrito em  26/10/2024, por Ângela Santos, neta de Dona Tomazia

Ângela Santos, mais conhecida com o seu Jeito Ângela de Ser, libriana com ascendente em Áries //e Lua em Gêmeos, Gineterapeuta (a arte de cuidar dos seres da forma como a mulher cuida) Moon Mother (terapeuta da Cura e Bênção do Útero), Terapeuta de Barra de Access, Facilitadora de Círculo de Mulheres, Estudiosa do Baralho Cigano, Erveira, Benzedeira, Escritora, Delegada de Polícia no Distrito Federal desde 1999 e mãe da Lorena, do Luís Antônio e do Emanuel, a tarefa mais desafiadora, mas a mais prazerosa.

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