Lendo mais uma vez o livro
Mulheres que correm com os lobos, preparando o conteúdo de uma roda terapêutica,
foi impossível não fazer conexão com a Mulher Selvagem, trazida pela autora
Clarissa Pinkola. Só que dessa vez, a Mulher Selvagem, La Que Sabe, La Loba, gritou
dentro de mim, cantou sobre os meus ossos.
Talvez essa ressonância seja o
resultado de tantas viagens profundas dentro de mim à procura dela, de anos de cicatrizes
de feridas não curadas, de tantas imersões, do encontro com várias mestras pelo
caminho, que pegaram na minha mão e me conduziram, cada uma ao seu modo, a um
novo portal do despertar da energia feminina, que estava adormecida em mim.
Talvez.
Só sei que com esta última
leitura, eu me encontrei cara-a-cara com La Que Sabe. E ela não tinha o aspecto
sombrio, muito menos aparência da anciã. Pelo contrário, ela saltitava como uma
donzela serelepe, destemida, curiosa, olhinhos brilhando, sexualidade à flor da
pele, sua pele tinha viço, sua respiração era ofegante, seu hálito era quente e
úmido.
E nesse momento, meu coração
disparou, parecia sair pela boca. Eu a senti nas minhas entranhas e tive a
certeza de que ela sempre estivera comigo. Na verdade, percebi que ela gritava
para ser vista, reconhecida. Mas o padrão de menina bem comportada, exigido pela
sociedade contemporânea, a definição do que era ser bem sucedida, abafou os
seus gritos e afastou-me de La Que Sabe.
Como seus gritos já não podiam
mais ser ouvidos, ela arrumou um jeito de chamar a minha atenção em forma de
depressão, excesso de peso, apatia, relacionamentos destrutivos. E quanto mais
eu me afastava dela, mais insistente ela se tornava para que eu a reconhecesse,
para que eu a honrasse. Na verdade, ela só queria me dizer que o que me adoecia
era o distanciamento de nós duas.
Então, nessa última leitura, La
Que Sabe se apresentou para mim e ela não me era estranha, na verdade, eu senti
intimidade e reciprocidade nos seus olhos serelepes. E foi a partir desse
encontro olho no olho, que eu pude ver que ela sempre esteve presente quando eu
quis ser pediatra, escritora, professora, astronauta, prostituta, dona de casa, esposa, amante, mãe, filha. Ela estava ao
meu lado todas as vezes que entrei nua na cachoeira, no mar, todas as vezes que
fechei os olhos e senti o sol aquecendo a minha pele. Era a presença dela que eu
sentia toda vez que pegava a estrada, dirigindo, sozinha, fazendo mil planos.
Era sua voz forte que ressoava em mim quando fazia uma investigação bem feita,
quando tentava amamentar um filho com os mamilos invertidos. Era a sua energia
que se manifestava em mim quando me contorcia de prazer, quando admirava e
tocava o meu próprio corpo.
Mas vi o quanto tentaram calar a
sua voz, esconder sua energia sexual, sensualidade. E isso se dava e se dá de
uma forma tão sutil e perversa!
- “Sorri menos! Não fale
palavrão! Não fale para os outros que você é naturista! Você está tendo lucro
com estas coisas holísticas que você faz? Nossa, você não dá limite para os
seus filhos! Como assim, você aceitou naturalmente o seu filho homossexual? Você
fala tudo que você pensa, as pessoas vão interpretá-la erroneamente! E essas
fotos sensuais que você posta? Você não tem medo de sofrer represálias no
trabalho? Nossa, você já se casou e se separou duas vezes? Você acredita em
Deusa? Você coleta o seu sangue e o devolve para a Terra? Isso é coisa de
bruxa! Ah, mas você declara para os quatro ventos que você é bruxa! Também, né?”
Foi só depois dessa última
leitura, que me lembrei de como é bom estar na presença de La Que Sabe! Minha
Deusa, Grande Mãe, como é simples viver quando estamos na presença da Mulher
Selvagem! Então, foi me dando uma vontade enorme de viajar, de conhecer
lugares, pessoas, de ler mais livros, escrever mais textos, crônicas, de
acariciar os cabelos dos meus filhos, de dizer à minha filha para ela nunca
deixar ninguém a afastar de La Que Sabe. Uma vontade de jogar as roupas fora, de
entrar nua no rio, pisar a terra com os meus pés descalços, acariciar o meu
corpo, encontrar-me com o masculino, que é sagrado, que habita em mim e também
no outro, no meu parceiro, no meu filho, no meu pai, nos meus amigos.
Nesse encontro, eu senti saudade
de mim. Na verdade, eu senti saudade de La Que Sabe, a Mulher Selvagem, La
Loba, que habita em mim, que habita todas as mulheres. Então, eu parei, fechei
os olhos e senti o seu abraço, por pouco tempo, pois logo ela pegou a minha mão
e, como as minhas mestras, convidou-me a seguir o caminho, abriu um novo
portal, despertando em mim muito amor por mim mesma e pelas minhas irmãs. E ela me disse que estava tudo certo, que ela estava comigo nos momentos em que eu era considerada mais inadequada para os padrões estabelecidos. E ela me disse mais: era a minha inadequação, a minha loucura que me curava. Então ela brincou comigo: a louCURA.
Foto: Ladyane Ramos
Texto: Ângela Santos, mais conhecida com o seu Jeito Ângela de Ser, libriana com ascendente em Áries e Lua em Gêmeos, mãe da Lorena Mayara, do Luís Caetano e do Emanuel Oliveira, Gineterapeuta (a arte de cuidar da mulher da forma como a mulher cuida) Moon Mother (Cura da Mulher com o Despertar da Energia Feminina), Terapeuta de Barra de Access, Facilitadora de Círculo de Mulheres, Estudiosa do Baralho Cigano, Erveira, Benzedeira, Delegada de Polícia no Distrito Federal.
Texto escrito em 20/04/2018 à meia-noite, enquanto as prisões em flagrante não aconteciam no meu plantão na 24ª Delegacia de Polícia.
Texto escrito em 20/04/2018 à meia-noite, enquanto as prisões em flagrante não aconteciam no meu plantão na 24ª Delegacia de Polícia.
É amada é dificil pata nos numa sociedade machista sermos ate so nos mesmas,tanta cobrança que vira lei.Até mesmo nos lugares que amamos ir.
ResponderExcluirAté mesmo uma vez num semininário que assistir uma piscanalusta falou que nos mulheres brasileiras somos reprimidas até mesmo nas igrejas,lugar onde temos que aprender sobre a libertação que Jesus nos deu.Precisamos lutar pela liberdade interior e exterior.
Um texto que marca! Marca o nosso pertencimento em nós mesmas <3
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