Delegada de Polícia, Gineterapeuta, Moon Mother, Oraculista, Erveira, Benzedeira.

sexta-feira, 20 de abril de 2018

O DIA QUE REENCONTREI A MULHER SELVAGEM


Lendo mais uma vez o livro Mulheres que correm com os lobos, preparando o conteúdo de uma roda terapêutica, foi impossível não fazer conexão com a Mulher Selvagem, trazida pela autora Clarissa Pinkola. Só que dessa vez, a Mulher Selvagem, La Que Sabe, La Loba, gritou dentro de mim, cantou sobre os meus ossos.
Talvez essa ressonância seja o resultado de tantas viagens profundas dentro de mim à procura dela, de anos de cicatrizes de feridas não curadas, de tantas imersões, do encontro com várias mestras pelo caminho, que pegaram na minha mão e me conduziram, cada uma ao seu modo, a um novo portal do despertar da energia feminina, que estava adormecida em mim.  
Talvez.
Só sei que com esta última leitura, eu me encontrei cara-a-cara com La Que Sabe. E ela não tinha o aspecto sombrio, muito menos aparência da anciã. Pelo contrário, ela saltitava como uma donzela serelepe, destemida, curiosa, olhinhos brilhando, sexualidade à flor da pele, sua pele tinha viço, sua respiração era ofegante, seu hálito era quente e úmido.
E nesse momento, meu coração disparou, parecia sair pela boca. Eu a senti nas minhas entranhas e tive a certeza de que ela sempre estivera comigo. Na verdade, percebi que ela gritava para ser vista, reconhecida. Mas o padrão de menina bem comportada, exigido pela sociedade contemporânea, a definição do que era ser bem sucedida, abafou os seus gritos e afastou-me de La Que Sabe.
Como seus gritos já não podiam mais ser ouvidos, ela arrumou um jeito de chamar a minha atenção em forma de depressão, excesso de peso, apatia, relacionamentos destrutivos. E quanto mais eu me afastava dela, mais insistente ela se tornava para que eu a reconhecesse, para que eu a honrasse. Na verdade, ela só queria me dizer que o que me adoecia era o distanciamento de nós duas.
Então, nessa última leitura, La Que Sabe se apresentou para mim e ela não me era estranha, na verdade, eu senti intimidade e reciprocidade nos seus olhos serelepes. E foi a partir desse encontro olho no olho, que eu pude ver que ela sempre esteve presente quando eu quis ser pediatra, escritora, professora, astronauta, prostituta, dona de casa, esposa, amante, mãe, filha. Ela estava ao meu lado todas as vezes que entrei nua na cachoeira, no mar, todas as vezes que fechei os olhos e senti o sol aquecendo a minha pele. Era a presença dela que eu sentia toda vez que pegava a estrada, dirigindo, sozinha, fazendo mil planos. Era sua voz forte que ressoava em mim quando fazia uma investigação bem feita, quando tentava amamentar um filho com os mamilos invertidos. Era a sua energia que se manifestava em mim quando me contorcia de prazer, quando admirava e tocava o meu próprio corpo.
Mas vi o quanto tentaram calar a sua voz, esconder sua energia sexual, sensualidade. E isso se dava e se dá de uma forma tão sutil e perversa!
- “Sorri menos! Não fale palavrão! Não fale para os outros que você é naturista! Você está tendo lucro com estas coisas holísticas que você faz? Nossa, você não dá limite para os seus filhos! Como assim, você aceitou naturalmente o seu filho homossexual? Você fala tudo que você pensa, as pessoas vão interpretá-la erroneamente! E essas fotos sensuais que você posta? Você não tem medo de sofrer represálias no trabalho? Nossa, você já se casou e se separou duas vezes? Você acredita em Deusa? Você coleta o seu sangue e o devolve para a Terra? Isso é coisa de bruxa! Ah, mas você declara para os quatro ventos que você é bruxa! Também, né?”
Foi só depois dessa última leitura, que me lembrei de como é bom estar na presença de La Que Sabe! Minha Deusa, Grande Mãe, como é simples viver quando estamos na presença da Mulher Selvagem! Então, foi me dando uma vontade enorme de viajar, de conhecer lugares, pessoas, de ler mais livros, escrever mais textos, crônicas, de acariciar os cabelos dos meus filhos, de dizer à minha filha para ela nunca deixar ninguém a afastar de La Que Sabe. Uma vontade de jogar as roupas fora, de entrar nua no rio, pisar a terra com os meus pés descalços, acariciar o meu corpo, encontrar-me com o masculino, que é sagrado, que habita em mim e também no outro, no meu parceiro, no meu filho, no meu pai, nos meus amigos.
Nesse encontro, eu senti saudade de mim. Na verdade, eu senti saudade de La Que Sabe, a Mulher Selvagem, La Loba, que habita em mim, que habita todas as mulheres. Então, eu parei, fechei os olhos e senti o seu abraço, por pouco tempo, pois logo ela pegou a minha mão e, como as minhas mestras, convidou-me a seguir o caminho, abriu um novo portal, despertando em mim muito amor por mim mesma e pelas minhas irmãs. E ela me disse que estava tudo certo, que ela estava comigo nos momentos em que eu era considerada mais inadequada para os padrões estabelecidos. E ela me disse mais: era a minha inadequação, a minha loucura que me curava. Então ela brincou comigo: a louCURA.

Foto: Ladyane Ramos
Texto: Ângela Santos, mais conhecida com o seu Jeito Ângela de Ser, libriana com ascendente em Áries e Lua em Gêmeos, mãe da Lorena Mayara, do Luís Caetano e do Emanuel Oliveira, Gineterapeuta (a arte de cuidar da mulher da forma como a mulher cuida) Moon Mother (Cura da Mulher com o Despertar da Energia Feminina), Terapeuta de Barra de Access, Facilitadora de Círculo de Mulheres, Estudiosa do Baralho Cigano, Erveira, Benzedeira, Delegada de Polícia no Distrito Federal. 
Texto escrito em 20/04/2018 à meia-noite, enquanto as prisões em flagrante não aconteciam no meu plantão na 24ª Delegacia de Polícia.

2 comentários:

  1. É amada é dificil pata nos numa sociedade machista sermos ate so nos mesmas,tanta cobrança que vira lei.Até mesmo nos lugares que amamos ir.
    Até mesmo uma vez num semininário que assistir uma piscanalusta falou que nos mulheres brasileiras somos reprimidas até mesmo nas igrejas,lugar onde temos que aprender sobre a libertação que Jesus nos deu.Precisamos lutar pela liberdade interior e exterior.

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  2. Um texto que marca! Marca o nosso pertencimento em nós mesmas <3

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